A Era sem ideais: Uma visão da epistemologia pós-moderna.
Alguns anos atrás tive o privilégio de conhecer pessoalmente o escritor Metodista e Pastor, Teólogo Justo González autor de vários livros sobre a história da Igreja, muitos deles traduzidos aqui no Brasil como uma série em 10 volumes chamada de: História Ilustrada do Cristianismo, [Editora Vida Nova], nos quais havia vários títulos tais como: A Era dos Planos frustrados, A Era dos Reformadores, A Era dos conquistadores; A Era dos Altos ideais; etc…, o que me chamou a atenção nestes nomes de González foi que em cada período ele o intitulou de acordo com a época a qual a humanidade estava vivendo.
Gostaria neste pequeno artigo, pensar um pouco [apenas um pouco], em como a nossa geração está sem ideais epistemológicos, ou, em outras palavras, como em nossa geração o conhecimento tem sido menosprezado, e ainda, como as sensações e a imagem [do ser] tomaram um lugar maior e mais importante do que o conhecimento em si. Isto porque a experiência se tornou a única forma de conhecimento ou pelo menos uma forma que sobrepuja todas as outras.
A Epistemologia é a ciência que trata do processo em como adquirimos o conhecimento, ela é muito importante na “cosmovisão cristã” porque nos dá a segurança e os parâmetros que são a base da lógica: tese e antítese. Se uma coisa está certa, o oposto dela está errado. Na epistemologia moderna há vários tons de cinza entre o preto e o branco. A Epistemologia é uma ciência das ciências exatas, as quais aplicamos na matemática, na química, na física etc., mas o que nos chama a atenção é que ela não se aplica mais sobre as ciências humanas, pelo menos não mais.
Isto envolve as nossas percepções interpretativas. A forma como interpretamos e entendemos a “verdade” foi modificada desde o Iluminismo pela entrada da subjetividade, isto é, estas percepções da verdade foram vistas do olhar de cada um [experiência individual], e cada um, baseando-se em sua própria construção pode dizer a sua própria verdade, [que para cada um, sempre, é a visão correta]. Este é o pensamento do século XXI. Neste sentido a verdade foi sendo substituída por “concepções individualistas” da própria verdade.
Isto na filosofia clássica seria um absurdo, porque a verdade é a verdade, o real é real independente de quem quer que esteja analisando. Em hermenêutica, que é a arte da interpretação [que também é uma ciência] há um efeito Rashomon[1] em quase todas as coisas. No Iluminismo, os empiristas analisavam os objetos de diversos pontos de vista. Em nossa era isso mudou. Cada interpretação é uma verdade, a maioria das pessoas não estão dispostas a discutir “teses” “postulados” e “premissas”. A ciência da Epistemologia hoje é definida não pelo objeto, mas pelas percepções da subjetividade do ser. Isto tem várias implicações, mas é necessário destacar a superficialidade especialmente dentro dos estudos acadêmicos.
Vemos discussões acaloradas sobre certo e errado na mídia que beiram a percepções absurdas como “fake-news”, tais como uma simples leitura, ou um panorama de entendimento as vezes muito raso em termos de pesquisa científica. Vou dar um exemplo do que estou falando: quando uma TV que tem um potencial tremendo em fazer um debate sobre um determinado assunto e ela chama para o debate somente os que pensam como ela, não está a emissora fazendo manipulação de uma linha de pensamento? Claro que sim, a mídia, a internet e outros canais de conhecimento estão infestados de pessoas que não sabem pensar debaixo da antítese. Mas é necessário lembrar que não estamos falando de qualquer antítese, (como terra-plana) estamos nos referindo a teses e posicionamentos que fogem de “bolhas sociais” ou meras opiniões.
Um exemplo claro disso foi o uso de medicamentos ineficazes tais como a Cloroquina, Ivermectina que não serviam para o COVID-19. O Brasil foi o palco de uma grande “palhaçada” científica. Outro exemplo disto foi a condução das narrativas políticas na última década, nas emissoras do Brasil. Você quer ter uma narrativa, seja honesto e coloque as cartas na mesa, mas por favor, permita o contraditório e saia da bolha. Em nossas TVs fechadas que alcançam somente a Classe Média, não se permitia o contraditório, pois raras vezes vi pessoas que discordavam da linha da emissora. Isto aconteceu num programa de TV famoso chamado “Painel” em que trouxeram um sociólogo que discordava do impeachment da Presidente Dilma, a jornalista ficou completamente sem rumo, pois não esperava o contraditório no momento em que todos concordavam. Isto é preocupante porque a informação é manipuladora. Isto não aconteceu somente com a essa grande emissora, mas com outras também e com os Jornais de maior circulação em que o acesso é para a classe média e alta. isso é preocupante do ponto de vista da verdade.
Há um perigo de abolirmos uma certa discussão excluindo vozes dissidentes, (lembro-me que o Nazismo fez isso). Isto é tão sério que chega às raias de menosprezar as ideias e valorizar somente o emocional. Você não tem “lugar de fala”, porque você não é “mulher”, “negro”, “branco”, “asiático”, “indígena”, etc…. Essa discussão merece destaque porque mesmo que eu não concorde com determinadas verdades, as pessoas são importantes e merecem respeito pelo que falam e apregoam, desde que elas respeitem também e valorizem aqueles e aquelas que pensam diferente. Estamos numa era de intolerância que não compactua com a democracia.
Costumo dizer aos meus alunos que todos e todas têm construções e elas precisam ser testadas, como disse Jesus sobre a casa edificada sobre a Rocha e sobre a incerteza da areia. Se alguma ideologia está de pé a única forma de provarmos não é desqualificando pessoas, mas, como sempre foi na história civilizatória, com argumentos. Se eu não pensar que a minha visão pode estar equivocada quanto a subjetividade da verdade, jamais eu abrirei um diálogo com o meu próximo. Um exemplo, é um pai que entendeu e aprendeu que deveria agir assim, mas não ouve nem o filho e nem as pessoas sobre sua forma de ser. Nunca haverá uma aproximação, pelo menos neste quesito.
A Psicologia demonstra a subjetividade do ser e sua ambiguidade sobre opiniões, mas em nossa geração o conhecimento está sendo menosprezado por causa dessa subjetividade. Por subjetividade, refiro-me a questões que não toleram qualquer forma de antítese. Algumas pessoas que deveriam de ser abertas para as questões tem um conhecimento superficial que a internet dá. Não estou sendo tecnocrata, mas é necessário certos conhecimentos para falar “certas coisas”. Com o Google, parece que todo mundo sabe de tudo, o que não é verdade. Não sou contra o Google, mas é necessário defender Verdade em detrimento a simples pesquisa. Hoje com a tecnologia que joga pra você respostas de algoritmos que estão dentro do seu perfil, cria ideologias que estão dentro dos seus “likes” e isso é perigo. Uma ideologia que não prova o contrário pode ser extremamente fascista e manipuladora.
Eu sou protestante e me atrevo a dizer que muitas visões têm medo de confrontar o obvio. A pergunta é por quê? Por que nessa era sem ideais, não há referências boas de pessoas que pensam diferente da maioria. A massificação tem sido evidente em nossa era. Mas há mais uma razão, as pessoas não tem argumentos para combater argumentos e se levarmos a discussão para o pessoal (conceito chamado ad-hominem)[2], ou para a personalidade caímos num debate do “eu acho”, “eu gosto” e “eu não gosto” que são os juízos a posteriori. Isso é porque a nossa era é “idiotizada” pela simplicidade das emoções e dos apetites e vontades. Um pastor amigo disse: “alguns pensam mais com o ventre do que com a cabeça.”
Na sociologia, quando você não quer sentir determinadas coisas, basta não ver: “o que os olhos não veem o coração não sente.” Então, nos fechamos em nossa própria maneira de ser, para não ver os outros, ou pior, para ignorar a sociedade que nos cerca vivendo em “nossas bolhas”. Quantas pessoas estão fechadas em seu próprio mundo [bolha] sem ouvir e ver, só vendo ou ouvindo o seu próprio ponto de vista como verdade?
Antes se buscava uma Unidade de pensamento, o UNO de Platão, mas o conhecimento se tornou tão complexo que a busca pelo UNO, ou melhor, aquele que poderia nos responder todas as dúvidas (para nós cristãos é Deus) se perdeu, a subjetividade humana tomou o lugar de todas as coisas e as peças do drama humano estão desconectadas numa Criação (sentido de mundo) sem ideais.
Se o cubano Justo Gonzales escrevesse sobre a nossa era, penso que teria escrito mais um volume com o título: A ERA DOS SEM IDEAIS.
Só para pensar.
[1] Rashomon foi um filme de Akira Kurosawa sobre um assassinato que é narrado por diversas pessoas em diversas perspectivas. O efeito rashomon se caracteriza como uma narrativa que apresenta diversos pontos de vista contraditórios sobre um mesmo assunto, que convergem para um final inconclusivo. Esse conceito surgiu baseado no filme Rashomon (1950), de Akira Kurosawa, objeto de estudo deste trabalho.
[2] Para ver o significado de uma crítica sobre este argumento veja: https://www.significados.com.br/ad-hominem/ .